segunda-feira, 29 de outubro de 2012

O nosso velho e querido Miramar

Um bar quase esquecido, escondido, tímido, mas aconchegante como coração de mãe, perto do ponto final da linha de ônibus Forquilhinhas, é gerenciado por um homem tímido, quase escondido atrás do balcão, mas com um coração de mãe, filho de um comerciante ex-proprietário de um restaurante também quase esquecido de Florianópolis. Maurício Pires é o filho mais novo de Wilson Pires, último dono do Miramar.

Seu Pires, como Maurício é conhecido, guarda com carinho algumas fotos, pinturas, retratos, xerox, uma fita k7 de um documentário feito por alunos da Unisul sobre o Miramar e lembranças. O Miramar mesmo pouco conheceu. Seu pai não o deixava frequentar muito o ambiente. "Só ia no Miramar para pegar toalha de louça, de mesa, pra trazer pra casa pra lavar", lembra. Enquanto seu pai administrava o restaurante, Seu Pires cuidava de uma mercearia, também da família, junto com sua mãe, no morro do Mocotó.

Indenização

O trapiche municipal, onde o Miramar estava localizado desde 1928, foi derrubado para dar vez ao progresso. Com o aterro da Baía Sul, em 1976, não haveria motivo para um trapiche. O restaurante parou de funcionar por uma determinação da Prefeitura, em virtude do aterro. Seu Wilson Pires abriu um processo contra o Estado para receber uma indenização. Pelo menos foi o que disse para o filho, que nunca viu cor, número ou o próprio processo. Passados 37 anos, os possíveis escritórios de advocacia que cuidavam do caso cerraram as portas e o processo não foi encontrado. Nas Varas da Fazenda Pública de Santa Catarina também não consta nada. Seu Pires até desconfia que o processo nunca foi sequer aberto. Seu Wilson não permitia que outra pessoa cuidasse de suas atribuições, por isso Seu Pires não sabe a fundo a esse respeito.

Seu Pires não aparenta fazer muita questão de encontrar o processo. Talvez por não querer se incomodar. A indenização remete a dinheiro, que remete a herança, que remete a briga familiar pelo dinheiro. Na sua timidez e simplicidade, Seu Pires prefere viver sua vida tranquila no seu modesto mas acolhedor boteco; com seus modestos mas honestos clientes; com sua modesta mas aconchegante casa; com sua modesta mas cordial família; vivendo feliz para sempre.

Seu Wilson Pires

Seu Wilson era um homem honesto e bem quisto. Nunca teve muito dinheiro, mas tinha crédito na praça para comprar estoque do seu comércio, carro, etc. Hiperativo, estava sempre trabalhando. Seu Pires, por exemplo, não lembra de ter almoçado com o pai, homem muito sério, enérgico e que não deixava o filho sair muito. "Meu pai não deixava ir à praia. Não aprendi a tomar banho de mar, soltar pipa. Fui aprender a dirigir depois de 18, 19 anos. O máximo que eu ia era ao cinema. O Cine Roxy Clube", recorda sorrindo um sorriso maroto, como se fora o mesmo sorriso feliz de garoto, de agradecimento ao pai por lhe permitir uma diversão em meio a tanto trabalho. Seu Wilson era irrequieto para ajudar todos, mas não era ajudado. Seu Pires puxou o pai nesse sentido. "Eu só tenho recebido paulada na cabeça. Por ser bonzinho, não sei (sic) desabafar, só tenho recebido porrada", lamenta. Seu Wilson sempre foi comerciante. Era dono da Fábrica de Café Mimi, em Capoeiras; do Bar Motorista, na Francisco Tolentino; do Bar Bebe Água, na João Pinto; e teve dois táxis. Trocou os táxis pelo Miramar em 1964. A Família Pacheco, então proprietária do restaurante, quis vender. O dono já estava velho e os filhos não quiseram continuar.

Numa noite de lua cheia de sábado, 26 de julho de 1975, Seu Wilson pede pra Seu Pires terminar de fechar o bar que tinham no Estreito pois sairia, mas logo voltava. Não sem antes comer um ensopado de peixe que a cozinheira havia feito. E comeu como se fosse a última refeição, lembra Seu Pires. Mas Seu Wilson saiu para não mais voltar. Com pensamentos extraconjugais, foi para a Gafieira do Laudelino, na Av. Ivo Silveira, em Capoeiras. Lá, se engraçou com uma moça. Um camarada ficou enciumado com a dança do casal e foi tirar a forra. Sabedores do temperamento brigão de Seu Wilson, os donos da gafieira os puseram para fora para que os senhores pudesses resolver a situação. E foi resolvida. Não se sabe ao certo de que forma. Uns dizem que levou um chute na cabeça, outros que bateu com a cabeça no meio fio. Os meios são incertos, mas o fim não. Nesse meio tempo, Seu Pires fechou o bar e foi para casa e comentou com sua esposa sobre a preocupação com o pai. Duas horas depois recebeu um aviso de que seu pai havia sofrido um acidente. O algoz era um cliente da família.

Seu Pires

Seu Pires é um dono de bar que vende cervejas, cachaças, cigarros, mas não bebe, nem fuma. "Uma vez eu tomei um porre. Era uma bebida doce. Comecei a emborcar, emborcar e fiquei que foi uma pipa (risos). E eu me sinto mal por fazer isso porque sou uma pessoa tímida. E nunca coloquei um cigarro na boca", celebra. Já foi dono de mercearia, dono de bar, taxista, eletricista, catador de papelão, latinha de refrigerante, vendedor de osso de animais e vidro. Foi criado num tempo em que um olhar do pai bastava para transmitir uma informação.

Dia 27 de outubro de 2012, Seu Maurício Pires completou 65 anos de idade.

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